domingo, 4 de novembro de 2012

Se nada der certo, viro hippie

  Certa vez, uma empresa fabricante de uma marca nacional de guaraná pegou carona na onda das comemorações de final de ano e usou uma ótima estratégia de marketing ao confeccionar umas camisetas estilizadas com frases que, no meu julgamento, eram bem legais. Uma delas, em especial, me chamou a atenção. Dizia: Se nada der certo, viro hippie.
Provavelmente a frase já existia e eu, sem dúvida, já a tinha ouvido, mas foi só a partir desta época que ela ficou guardada em mim.
E assim, toda vez que estou cansada da vida urbana, estressada com minha louca rotina de trabalho, correria, filas de banco, engarrafamento, salto alto, poluição, calor, falta de gentileza nas ruas (minha e das outras pessoas), competitividade e mau gosto, a frase me vem à cabeça.
Ela também fica martelando na minha cachola toda vez que volto de lugares como Lumiar, Aldeia Velha, Sana ou outro mato qualquer, pois me questiono se a vida que levo é, de fato, aquela que queria viver.
Penso às vezes que ser hippie, não deveria ser um “plano B”, mas sim, fazer a vida “dar certo” de fato.
Sabemos muito bem a concepção corrente de nossa sociedade sobre o que é “dar certo”, e, portanto, não precisamos perder nosso tempo elencando as características de uma pessoa “bem sucedida”.
Contudo, se o Wikipédia me contratasse para criar definições para essas expressões, eu diria que “dar certo” e “indivíduo bem sucedido” é aquela pessoa que consegue desfrutar de uma vida sossegada, com períodos diários de silêncio e ócio criativo. Seria estar em comunhão com a natureza. Deitar na grama em um local público sem sentir vergonha pelo o que os outros irão pensar. É preferir fazer amor a fazer guerra. É alimentar relacionamentos amorosos onde cada pessoa envolvida mantenha sua individualidade, sem que cada um tenha posse sobre o outro.
Uma pessoa “deu certo” quando prefere trocar aquela tal praia badalada por um banho de rio e cachoeira no meio do nada. É ter em mente que encarar uma trilha é um programa perfeito para um dia de férias. É achar que o seu tênis fica mais bonito quando está sujo e esfarrapado de tanto metê-lo na lama. É estar antenada na troca de fases da lua e fazer pedidos inocentes às estrelas cadentes. É ter ternura o suficiente a ponto de emocionar-se com o por do sol. É tentar não colocar os seus próprios interesses acima dos interesses coletivos.
Não que eu seja a pessoa descrita acima, mas tenho que assumir que tenho muitas características de um “riponga”: gosto de produtos artesanais, odeio calcinhas e sutiãs – aliás, se não fosse contra a leia, iria aderir ao naturismo, mas já que preciso me vestir para sair às ruas,  adoro jeans desbotado e rasgado, sandálias havaianas, cabelo meio despenteado, e, se fosse pelo meu gosto, não usaria brincos. Preferia quando as tatuagens e perfurações eram “coisas de marginais”.
Apesar de não ter aderido a algum movimento de contracultura, abomino produções culturais criadas para o consumo de massa; gostaria de viver entre pessoas que mantem laços comunitários; ideologicamente poderia me definir como uma socialista-libertária; e não consigo ficar parada muito tempo num mesmo lugar, pois sou meio nômade.
No entanto, se levássemos em conta a média dos profissionais da minha área de atuação, acredito que posso afirmar que sou uma professora “bem sucedida”. Além disso, tenho que confessar que aprecio muito as benesses da vida burguesa: ambiciono o conforto que um carro particular oferece; gosto de pegar uma sauna seguida de uma piscina; adoro banheiras de hidromassagem e um bom perfume importado. Gosto de barzinhos moderninhos e descolados e tenho um lado consumista bem apurado. Ultimamente, venho ficando cada vez mais vaidosa e, por isso, tenho investido pesado no uso de produtos cosméticos. E, acima de tudo, quero um “homem para chamar de meu”.
Desta maneira, me transformar numa autêntica hippie iria requer de mim uma boa dose de coragem para abrir mão das coisas boas da vida urbana. Queria poder ser hippie com internet e todas as comodidades que a modernidade nos traz. Talvez por isso me transformar em bicho grilo também não dê certo, pois nada vai parecer dar certo enquanto eu, você, nós estivermos querendo tudo, como se isso fosse possível. 

Contribuição de Larissa Quillinan

2 comentários:

  1. Não sei dos outros, mas tenho também essa vontade de fugir... e o pra onde fugir sempre lembra alguma coisa da natureza. Ela me proporciona sensações tão boas... mas obrigações da vida que levamos, além de impedirem minha fuga, tornam comedidos momentos de apreciação da natureza... Engraçado isso... contato com a natureza não ser "natural"...
    É isso que passa pela cabeça...

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  2. Essa contradição entre o bucólico e as facilidades urbanas é muito comum... pois é minha amiga, você conhece minha vida, minha casa e acho que está dando tudo certo... virei "hippie" como você mesmo diz,e adoro andar por aqui e "aí" a vontade, sem me preocupar muito com convenções...nunca me preocupei muito mesmo... mas você sabe que também sinto falta do burburinho dos bares da vida,costumo dizer que faço parte dos movimento dos "sem shopping"... aliás aqui num tem nem banco...e faço o movimento inverso, enquanto todo mundo vem descansar eu vou e eventualmente a "cidade" dar um "rolé" e usufruir das delícias burguesas e visitar os amigos...afinal de contas ninguém é de de ferro!
    Adorei o artigo!
    Beijos!
    Patricia

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