Certa vez, uma empresa fabricante de
uma marca nacional de guaraná pegou carona na onda das comemorações de final de
ano e usou uma ótima estratégia de marketing ao confeccionar umas camisetas
estilizadas com frases que, no meu julgamento, eram bem legais. Uma delas, em
especial, me chamou a atenção. Dizia: Se
nada der certo, viro hippie.
Provavelmente a frase já
existia e eu, sem dúvida, já a tinha ouvido, mas foi só a partir desta época
que ela ficou guardada em mim.
E assim, toda vez que
estou cansada da vida urbana, estressada com minha louca rotina de trabalho,
correria, filas de banco, engarrafamento, salto alto, poluição, calor, falta de
gentileza nas ruas (minha e das outras pessoas), competitividade e mau gosto, a
frase me vem à cabeça.
Ela também fica
martelando na minha cachola toda vez que volto de lugares como Lumiar, Aldeia
Velha, Sana ou outro mato qualquer, pois me questiono se a vida que levo é, de
fato, aquela que queria viver.
Penso às vezes que ser hippie, não deveria ser um “plano B”,
mas sim, fazer a vida “dar certo” de fato.
Sabemos muito bem a
concepção corrente de nossa sociedade sobre o que é “dar certo”, e, portanto, não
precisamos perder nosso tempo elencando as características de uma pessoa “bem
sucedida”.
Contudo,
se o Wikipédia me contratasse para
criar definições para essas expressões, eu diria que “dar certo” e “indivíduo
bem sucedido” é aquela pessoa que consegue desfrutar de uma vida sossegada, com
períodos diários de silêncio e ócio criativo. Seria estar em comunhão com a
natureza. Deitar na grama em um local público sem sentir vergonha pelo o que os
outros irão pensar. É preferir fazer amor a fazer guerra. É alimentar
relacionamentos amorosos onde cada pessoa envolvida mantenha sua individualidade,
sem que cada um tenha posse sobre o outro.
Uma
pessoa “deu certo” quando prefere trocar aquela tal praia badalada por um banho
de rio e cachoeira no meio do nada. É ter em mente que encarar uma trilha é um
programa perfeito para um dia de férias. É achar que o seu tênis fica mais
bonito quando está sujo e esfarrapado de tanto metê-lo na lama. É estar
antenada na troca de fases da lua e fazer pedidos inocentes às estrelas cadentes. É ter ternura o
suficiente a ponto de emocionar-se com o por do sol. É tentar não colocar os
seus próprios interesses acima dos interesses coletivos.
Não que eu seja a pessoa descrita acima, mas
tenho que assumir que tenho muitas características de um “riponga”: gosto de produtos artesanais, odeio
calcinhas e sutiãs – aliás, se não fosse contra a leia, iria aderir ao
naturismo, mas já que preciso me vestir para sair às ruas, adoro jeans desbotado e rasgado, sandálias
havaianas, cabelo meio despenteado, e, se fosse pelo meu gosto, não usaria
brincos. Preferia quando as tatuagens e perfurações eram “coisas de marginais”.
Apesar de não ter aderido a algum movimento de
contracultura, abomino produções culturais criadas para o consumo de massa; gostaria
de viver entre pessoas que mantem laços comunitários; ideologicamente poderia
me definir como uma socialista-libertária; e não consigo ficar parada muito
tempo num mesmo lugar, pois sou meio nômade.
No entanto, se levássemos em conta a média dos
profissionais da minha área de atuação, acredito que posso afirmar que sou uma professora
“bem sucedida”. Além disso, tenho que confessar que aprecio muito as benesses
da vida burguesa: ambiciono o conforto que um carro particular oferece; gosto
de pegar uma sauna seguida de uma piscina; adoro banheiras de hidromassagem e
um bom perfume importado. Gosto de barzinhos moderninhos e descolados e tenho
um lado consumista bem apurado. Ultimamente, venho ficando cada vez mais
vaidosa e, por isso, tenho investido pesado no uso de produtos cosméticos. E,
acima de tudo, quero um “homem para chamar de meu”.
Desta maneira, me transformar numa autêntica hippie iria requer de
mim uma boa dose de coragem para abrir mão das coisas boas da vida urbana. Queria
poder ser hippie com internet e todas as comodidades que a modernidade nos
traz. Talvez por isso me transformar em bicho grilo também não dê certo,
pois nada vai parecer dar certo enquanto eu, você, nós estivermos querendo
tudo, como se isso fosse possível.
Contribuição de Larissa Quillinan
Não sei dos outros, mas tenho também essa vontade de fugir... e o pra onde fugir sempre lembra alguma coisa da natureza. Ela me proporciona sensações tão boas... mas obrigações da vida que levamos, além de impedirem minha fuga, tornam comedidos momentos de apreciação da natureza... Engraçado isso... contato com a natureza não ser "natural"...
ResponderExcluirÉ isso que passa pela cabeça...
Essa contradição entre o bucólico e as facilidades urbanas é muito comum... pois é minha amiga, você conhece minha vida, minha casa e acho que está dando tudo certo... virei "hippie" como você mesmo diz,e adoro andar por aqui e "aí" a vontade, sem me preocupar muito com convenções...nunca me preocupei muito mesmo... mas você sabe que também sinto falta do burburinho dos bares da vida,costumo dizer que faço parte dos movimento dos "sem shopping"... aliás aqui num tem nem banco...e faço o movimento inverso, enquanto todo mundo vem descansar eu vou e eventualmente a "cidade" dar um "rolé" e usufruir das delícias burguesas e visitar os amigos...afinal de contas ninguém é de de ferro!
ResponderExcluirAdorei o artigo!
Beijos!
Patricia