terça-feira, 31 de julho de 2012

Brincadeira séria sobre a morte

            Falem o quiser, mas eu sou fã do facebook! Para ser mais exata, sou viciada!
            Além de ter várias funções, para mim, ele é inspirador.
Sei que alguns amigos acham que me exponho muito e tudo o mais, mas foi num desses excessos cometidos que tirei o material para esta crônica.
Há cerca de uma hora atrás postei a seguinte frase no mural da rede social:

Se eu não acordar depois da cirurgia, quero que todos saibam que fui feliz!
           
Alguns poucos entenderam que eu estava brincando e mais outros perceberam que, na verdade, eu estava querendo chamar a atenção.
Para os que acreditaram digo: Gente! É óbvio que não quero e, se Deus concordar com a minha vontade, não vou morrer. Aliás, vou me submeter ao tratamento cirúrgico de “Gastroplastia com anel e bypass por videolaparoscopia”, vulgo “redução de estômago”, justamente para viver mais e melhor.
Entretanto, como em todas as cirurgias, na minha também há riscos. Qual o susto?
Para ser ainda mais realista, posso morrer até mesmo antes da cirurgia. Na madrugada de hoje, enquanto eu estiver dormindo, a morte pode me levar com um aneurisma cerebral. Caso eu acorde, posso morrer a caminho do hospital, num acidente de carro. Imagine se um avião cair no meio da pista do aterro do Flamengo enquanto eu estiver passando em frente ao Aeroporto Santos Dumont, no caminho de volta de Copacabana à Niterói.
Uma morte mais divertida e glamourosa – e mais a minha cara – teria o seguinte enredo: Eu emagrecerei, isto é certo! Mas ficarei tão linda, tão linda que logo, logo arrumarei um namorado endinheirado. Ele cobrir-me-á de presentes e um desses será um colar caríssimo. Visitaremos o motel mais chique de Niterói e tomaremos um delicioso banho na hidromassagem. Mas, por algum defeito nas engrenagens (as coisas caras também por dar defeito) o tal colar vai enroscar na saída de água e eu posso morrer estrangulada. Este exemplo foi baseado em uma história real que uma amiga viveu, mas graças a Deus e ao colar vagabundo que arrebentou, ela ainda está aí... Vivinha da Silva!
Já até imaginei a cara de terror de alguns leitores ao ler este monte de bobagens. Com o intuito de apavorá-los ainda mais, dei-me o trabalho de pesquisar sobre mortes absurdas e achei algumas, mas estou com preguiça de transcrevê-las e encaixá-las neste texto. Quem quiser conferir, eis o link:
http://pudim.info/wiki/Mortes_estranhas
Mau agouro falar em morte às vésperas de uma cirurgia? Que nada! Eu sei que é clichê, mas quero lembra-los que a única certeza que temos nesta vida é justamente a da nossa morte! Sendo assim, por que não brincar, falar ou escrever sobre ela?
Sem querer ser desrespeitosa com ninguém, gostaria de advertir que a morte vive entre nós. Ela, por mais paradoxal que isso possa parecer, faz parte de nossas vidas.
Zilda Arns, médica sanitarista, fundadora e coordenadora internacional da Pastoral da Criança que lutava pela erradicação da mortalidade infantil, morreu, aos 73 anos, naquele terrível terremoto que atingiu 7 graus na escala Richter no Haiti, em 2010. Ela estava no país cumprindo agenda de palestras em defesa da vida.
Na sétima volta do Grande Prêmio de San Marino, no autódromo de Ímola, na Itália, Ayrton Senna passa direto pela curva Tamburello a 300 quilômetros por hora e espatifa-se no muro de concreto.
Dias desses foi inaugurada a Praça Memorial 17 de julho como forma de homenagear as 199 vítimas do acidente com o voo TAM JJ3054, que explodiu no aeroporto de Congonhas, em São Paulo,  há cinco anos.
Não tão raro trabalhadores morrem por exaustão em canaviais pelo Brasil afora ou em outras situações desumanas em todo o mundo.
Para citar outros exemplos mais próximos, minha tia Vitória era a segunda mais nova dos treze irmãos do meu pai e faleceu em dezembro passado. Da minha família por parte de mãe, só ela e meu avô chegaram aos setenta anos até agora, o que faz com que minha velhinha celebre a vida a cada dia. Meu tio Hélio morreu aos 36 anos com uma parada cardíaca fulminante deixando uma jovem esposa e seus quatro filhos. Meu primo Duda morreu aos 27 em decorrência de um melanoma – um tipo de câncer de pele -, seis meses após a celebração do seu casamento.
Diante disso tudo, às vésperas de uma situação que vai mudar a minha vida, não consigo parar de pensar sobre a possiblidade da minha morte.  
Dizem que diante da eminência dela, as pessoas costumam assistir a um filme de sua vida. Não cheguei a tal ponto – talvez isso seja um bom sinal - mas consegui fazer um brevíssimo balanço e tenho total segurança para repetir aqui o que escrevi mais cedo no facebook: FUI FELIZ!
Não realizei grandes projetos, não fiz nada de extraordinário. Para falar a verdade sou umas das pessoas mais comuns que conheço. No entanto, sinto-me agraciada por Deus. Como não me sentir assim?
Tenho uma família maravilhosa, fui amada e amei algumas vezes. Não tive filhos, mas escrevi duas monografias e essas vinte e poucas crônicas publicadas no Mulher Solteira Não Procura. Cultivo algumas plantinhas, e plantei tantas outras mini árvores em vários lugares por onde passei. Tenho alguns bons e verdadeiros amigos. Cumpri uma pequena função social ao despertar o senso crítico em alguns alunos que passaram pelas salas onde dei aulas de Sociologia e Filosofia, contudo, fui uma péssima referência (dependendo do ponto de vista) para meus sobrinhos e sobrinhas.
Portanto, queridos e queridas, se a “temida” vier me buscar, não chorem por mim. Antes, façam um show de rock no meu funeral daqui a uns... 40 anos, quem sabe? Porém, por via das dúvidas, adianto-me a oficializar e tornar público o meu testamento[1]::

Para toda a minha numerosa família e para os meus amigos, deixo a felicidade de tê-los ao meu lado e para “você”, em especial, deixo-lhe o meu sorriso que você tanto gosta:




Niterói, 30 de julho de 2012.


[1] De material, deixo:
- Algumas dívidas com instituições financeiras capitalistas que exijo que não sejam pagas; 
- Alguns livros de Sociologia para minhas queridas colaboradoras Beatriz, Dayana e Larissa e outros de Filosofia para o Leo;
- Os romances deverão ser distribuídos entre outros amigos e familiares que chegarem primeiro, assim como  alguns móveis e eletrodomésticos;
- Carlinhos e Rodolfo, fiquem com as poucas garrafas de vinho que me sobraram;
- Thaís e Marcelle, resolvam-se quanto a cama de casal e os meus quadros;
- Daniel, meu afilhado, fique com a pequeníssima quantia em dinheiro que está aplicada;
- Para Izabela e Camila deixo minha pequena fonte;
- Para Juliana, deixo meu gatinho de pano;
- Quanto às poucas roupas que prestam, deixo-as para as gordinhas que ainda não tiveram coragem de tomar uma atitude. 
- Flavio, não se esqueça de que você tem direito a pensão. Providencie e divida entre você e quem mais precisar.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Quem acreditaria nisso?

                  Tente visualizar a cena:
            Você chega, sem avisar, para uma visita a uma amiga que mora sozinha e uma voz masculina atende o interfone. Você imediatamente pensa em voz alta “Ih! Liguei errado...”, ao que seu interlocutor responde imediatamente “Não, não... aqui é a casa de “fulana” mesmo. É que ela está no banheiro”. Você não sabe o que fazer, mas, por reflexo, se identifica. Pausa. A voz some e depois volta respondendo “Ela disse que você pode subir”.
            Fulana te recebe à porta da casa e, ao constatar que você ostenta um sorriso malicioso no rosto, fica sem graça e logo diz “não é nada disso que você está pensando”, “é só um amigo”, “por pouco, você não vê o colchão dele arrumado no chão da sala”.
Você, mais sem graça ainda - mas meio sacana também - diz “sei” e vai entrando na casa e encontra uma mesa de café da manhã lindamente arrumada ao ar livre. Os dois – “fulana” e amigo - sorriem desarmados pela falta de argumentos e se entregam à suas brincadeiras maliciosas.

Isso aconteceu comigo na manhã de hoje. 
Eu estava na minha casa e o visitante inesperado era, na verdade, o meu irmão que, aproveitando que estava passando por perto, resolveu dar um “alô”. Óbvio que ele não acreditou, mas eu juro pela minha mãe mortinha que o tal amigo que dormiu aqui essa noite é apenas um amigo.
Aliás, a palavra “apenas” está muito mal empregada! O advérbio estaria corretíssimo se o cara fosse um peguete, um affair, um caso ou o namorado recente. Contudo, quem me acompanhava no café da manhã de hoje era um amigo muito querido.
Passamos o dia de ontem juntos. Fomos à praia, almoçamos fora e quando ele veio me deixar em casa, concordamos que ainda estava cedo para o domingo terminar e resolvemos assistir um filme na TV. Deu fome e como ambos apreciamos os prazeres do paladar e gostamos de nos aventurar na cozinha, fomos preparar o que comer e o que beber. Ficou tarde e naturalmente concordamos que era melhor ele dormir na minha casa. Emprestei-lhe um pijama - o que lhe deixou ridículo -, roupa de cama e um colchão de solteiro que ele arrumou no chão da sala.
Isso já aconteceu outras mil vezes com esse e outros tantos amigos e amigas que, vira e mexe, me visitam. O “problema” é que desta vez fui “flagrada”. Será que o meu irmão teria as mesmas ideias maliciosas se, ao invés de um amigo, quem estivesse me acompanho fosse uma amiga? Enfim...
Depois que minha visita meteórica foi embora, rimos da situação e, ao degringolar sobre o tema, ficamos nos questionando se nós, no lugar do meu irmão, teríamos acreditado na insólita história. Afinal, a mesa de café da manhã e a paisagem estavam transbordando romantismo. Quem acreditaria?
No entanto, este romantismo estava apenas da cabeça de quem não nos conhece de fato. O que qualquer pessoa pensaria ser um ato romântico, eu chamaria de prazer em receber, gentileza, cuidado, amabilidade para com um amigo querido.  Tudo muito natural e tranquilo.
No entanto, é preciso destacar que a interação amistosa entre homens e mulheres é um fenômeno recente, tornando-se, inclusive, tema de pesquisas, e, entre elas, tem a que a revista IstoÉ fez circular recentemente. Eis um trecho da reportagem[1]:

Até o século XIX, a amizade intersexual era considerada um “mal degenerador”, como conta Rosana Schwartz, pesquisadora de gênero pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e também pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. “Usando argumentos religiosos ou até científicos, os homens acreditavam que as mulheres eram frágeis e propensas a comportamentos desviantes, por isso a convivência com um homem que não fosse da família poderia degenerá-las”, diz Rosana. Ou seja, na época se acreditava que a presença de um homem poderia levar as pobres mulheres indefesas a cometerem um ato absolutamente condenável: o sexo fora do casamento. Numa sociedade em que a maioria das mulheres só convivia com figuras masculinas como o pai, os irmãos ou os padres, a amizade entre os sexos era muito difícil, senão impossível. Esse cenário só começou a mudar quando elas chegaram em massa ao mercado de trabalho, no período pós-Segunda Guerra Mundial. “Mesmo assim, a amizade intersexual como a conhecemos hoje só se solidificou nos anos 1970, pois até uma década antes os únicos amigos homens que as mulheres tinham eram os amigos do seu marido”, afirma Rosana.


Hoje, tanto para os homens, quanto para as mulheres, há infinitas possibilidades de se conhecer pessoas, mas, por razões que só cada um sabe explicar, somente de algumas nos tornamos amigos(as) de verdade.
Ao escrever a frase acima me veio à lembrança um filme muito fofo que assisti há muitos anos atrás. Um clássico da sessão da tarde dos anos 80, Conta Comigo, estrelado pelo falecido River Phoenix, é ambientando em 1959 e narra a jornada de aventura e amadurecimento de quatro amigos adolescentes. Por mais que o tempo tenha passado, guardo como se tivesse visto e ouvido hoje as duas principais mensagens do filme: 1) o valor da amizade, geralmente, só é encontrado quando essa deixa de existir; 2) quando se é adulto, é difícil encontrar amizades sinceras como as que temos quando somos jovens.
Adoro o filme! Inclusive, o recomendo para quem quiser assistir em família ou entre amigos antigos. Identifico-me com várias partes dele, mas discordo de suas mensagens finais. Claro que guardo com muito carinho os meus amigos de infância e da adolescência como a Jaqueline, a Simone, a Claudia, o Luiz Paulo, o Fábio, o Leo Chermont, a Flavia e tantos outros. Mas esses estão apenas na memória ou entre os meus contatos do facebook. No entanto, são com as pessoas que conheci na faculdade, no mundo do trabalho, ou aquelas que conheci através dos meus amigos, que mantenho ótimas e duradouras relações de amizade. Ah! Sim! Também tive a sorte de reconhecer alguns amigos de infância, com os quais tenho tecido novamente antigos laços.
Deste modo, acredito que quando conseguimos nos desprender de preconceitos e daqueles velhos jargões que afirmam que só existe gente falsa e interesseira no mundo adulto e nos permitimos conhecer e ser conhecido por pessoas legais, podemos sim, fazer bons amigos, sejam estes homens ou mulheres.
No entanto, também não dá para ser tão inocente a ponto de achar que nunca há uma “potência sexual” – termo que minha prima Vivi me ensinou e que imediatamente incorporei ao meu vocabulário – numa amizade intersexual.
Mas o fato de gostar da presença daquele seu amigo, que, por acaso é de outro sexo, de ter afinidades com ele, de gostar de trocar impressões sobre a vida, e, às vazes, mesmo discordando, não faltar assunto para conversas, não quer dizer que desejamos fazer sexo ou que nos vejamos romanticamente unimos a ele ou com todos os amigos ou amigas que tenhamos. Ou, mesmo se houver desejo, não significa obrigatoriamente que o sexo vá acontecer, afinal, o que não faltam são motivos para que duas pessoas mantenham sua relação no nível da amizade. Ou ainda que haja sexo, não quer dizer que deixaram de serem amigos. Enfim, é tudo muito complexo!
Sobre esta complexidade toda, uma pesquisadora norte-americana, Heidi Reeder, publicou recentemente um artigo em que classifica os quatro tipos mais comuns de amizade entre homens e mulheres. Observe o quadro[2] abaixo:


       Para tornar ainda mais complicada esta discussão, tem ainda todos aqueles filmes de comédia romântica que fazem questão de mostrar a impossibilidade de uma amizade intersexual desprovida de potência sexual.Você viu algum? Eu vi todos e adoro!
 
       Como a minha vida não é um filme hollywoodiano e tenho alguns bons amigos homens a quem quero muito bem, sem, no entanto, deseja-los sexualmente – se algum deles fossem o Patrick Dempsey, não afirmaria isso com tanta veemência – continuarei lhes preparando lindas mesas de café da manhã, afinal, somos “apenas” amigos, quer você acredite ou não.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Marta e Maria

Não, a Marta do título não é a Medeiros, tampouco a Porto; e a tal Maria não é a mãe de Jesus, mas Ele tem tudo a ver com esta história.
Não se alarme! Não farei pregação religiosa, tampouco cometerei heresia. Peço apenas que me acompanhe em mais uma das minhas “viagens reflexivas”.
 Independentemente da fé de cada um ou mesmo da ausência dela, acredito que seja difícil que alguém que tenha se aventurado a ler a Bíblia Sagrada ou apenas algumas partes, não a reconheça como uma importante coletânea de livros históricos, cheios de sabedoria.
No evangelho de Lucas, capítulo 10, versículos 38-42, por exemplo, Jesus nos propõe uma reflexão sobre o que é, de fato, importante nessa vida. Além de, particularmente, me fazer pensar também sobre como irmãos que tiveram mais ou menos a mesma socialização, possam ter temperamentos tão diferentes.
Não sei quanto a sua família, mas eu e meus quatro irmãos sentimos, pensamos, agimos, temos leituras da realidade e priorizamos coisas completamente distintas. Nada que chegue a dar em grandes conflitos, mas realmente é de se espantar o quão diferentes somos uns dos outros.
Minha irmã Claudia e eu, por exemplo, somos, respectivamente, Marta e Maria retratadas na passagem bíblica a que me referia acima. Vamos a ela:

38Enquanto caminhavam, Jesus entrou num povoado, e certa mulher, de nome Marta, o recebeu em sua casa. 39Sua irmã, chamada Maria, sentou-se aos pés do Senhor, e ficou escutando sua palavra. 40Marta estava ocupada com muitos afazeres. Aproximou-se e falou: “Senhor, não te importas que minha irmã me deixe sozinha com todo o serviço? Manda que ela venha ajudar-me!” 41O Senhor, porém, respondeu: “Marta! Marta! Você se preocupa e anda agitada com muitas coisas; 42porém, uma só coisa é necessária, Maria escolheu a melhor parte; e essa não lhe será tirada.”

Assim como Marta, minha irmã está sempre atarefada, envolvida com mil coisas ao mesmo tempo, sejam coisas da casa, do trabalho, do estudo, da família, dos outros. Mora em uma casa muito agradável, com uma arquitetura propícia a contemplação da natureza, no entanto, outro dia me confessou, sem graça, que nunca deitou na rede que tem na varanda, assim como, nunca tinha parado para observar a mata nos fundos da sua casa fazendo com que perdesse a oportunidade de saudar os micos-pretos de cara dourada, o pica-pau de crista amarela, as saíras, os papagaios e outros bichos que povoam livremente seu quintal.
Contudo, é preciso ressaltar que não me lembro da minha irmã cobrando que a ajudassem ou a vi fazendo censuras como Marta. Além do mais, de todos os componentes do meu núcleo familiar, é minha irmã quem se ocupa com as necessárias “coisas” de Deus. 
Quanto a mim, sou a ímpia. De semelhança com Maria, apenas a capacidade de deixar o mundo cair a minha volta para dedicar-me a um bom papo. Também não penso duas vezes em largar pilhas e pilhas de provas que precisam ser corrigidas para me entregar ao ócio. Troco tranquilamente um compromisso “chato” por uma sessão vespertina de cinema, um chopp com amigos, passar a tarde na internet ou, simplesmente me dedicar à prática do nadismo. Deixo de ler “coisas sérias e necessárias” para me dedicar a “escrevinhação” dessas mal traçadas linhas.
Eu me ocupo do prazer e minha irmã, do dever. Eu da teoria, ela da práxis. Eu das coisas ternas e passageiras, elas das coisas concretas, seguras e necessárias. Em síntese, eu e minha irmã formamos uma díade oposta!
Uma e outra postura trazem consequências: minha irmã vive tensa e eu, relaxada. No entanto, ela consegue realizar seus projetos, enquanto eu, penso, reflito, filosofo, mas não saio do lugar. Resultado: ambas vivemos permanentemente culpadas. Ela se cobra uma postura mais leve e eu lamento por ser tão descansada e, muitas vezes, pouco prática.
Por que nos sentimos incompletas?
Em um mundo cada vem mais pragmático, voltado para as soluções imediatistas, a minha postura é execrável, o que faz sentir-me mal. No entanto, há, ao mesmo tempo, o culto ao prazer e aí é a vez da minha irmã ficar infeliz.
Voltando a passagem bíblica, é bom lembrar que Maria amava a Jesus e estava sentada a seus pés ouvindo-o. Marta também amava a Jesus, mas sentia a necessidade de estar de pé preparando a comida e servindo. Cada uma agia, conforme o que ditava seu temperamento.
        Nessa perspectiva, poderíamos pensar que as atitudes de Marta e Maria são confrontadas erroneamente ao subjugar o ativismo de Marta à atitude contemplativa de Maria. Superioridade da oração sobre a ação. Esta é uma interpretação incapaz de colher verdadeiramente a profundidade do texto. Cristão ou não, o que nunca devemos esquecer é que "a fé sem obras é morta".
        Volta e meia, precisamos escolher entre fazer algo bom e fazer alguma coisa ainda melhor. Qual é a melhor parte para você? Afinal, o que é importante nessa vida?



Niterói, 20 de julho de 2012.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Sinais de novos tempos

Quantas pessoas nessa vida podem dizer que assistiram a cerimônia de casamento dos próprios pais? Acredito que poucas e, dentre elas, tem a Dudinha.
Numa manhã de inverno carioca, com um tempo perfeito para um casamento ao ar livre, Maria Eduarda entregou as alianças dos seus pais para serem abençoadas por um padre. Diante da família e dos amigos, Ronaldo e Ana Luiza confirmaram seu amor e atestaram que querem permanecer unidos, partilhando uma vida em comum.
A história deles não é muito convencional. Conheceram-se em um acidente de carro, se apaixonaram, namoraram, se separaram, ela foi para longe e, ao voltar, se reencontraram e engravidaram, moraram juntos por cinco anos e ontem se casaram numa das duas cerimônias mais bonitas que já participei.
Alguém poderia dizer – e disse - que não entendia porque eles estavam fazendo isso, que era uma bobagem e um tradicionalismo fora de moda. Afinal, como diz o ditado “Amigado com fé, casado é”.
Mas eles queriam casar. Queriam ter seu rito de passagem. Queriam ter a benção de Deus. Queriam celebrar com as pessoas que lhe querem bem. E como celebraram! Foi uma festa linda! Sem ostentação, mas com tudo a que tinham direito: vestido branco, buquê, igreja, padrinhos e madrinhas, daminhas e pajem, fotógrafos, buffet, dança, etc. Tudo preparado no maior capricho e elegância, exceto o repertório musical – desculpe-me, Aninha, mas não podia perder a piada. 


Quem foi, testemunhou a felicidade do casal e entendeu tudo: O amor estava ali e eles queriam compartilhá-lo. Muita gente chorou! Não vi, mas, segundo me contaram, até a fotógrafa não conseguiu segurar as lágrimas.
Eu chorei. Assim como chorei em outra cerimônia que aconteceu há duas semanas.
Outra prima muito querida também celebrou seu casamento. Mas dessa vez, não teve padre, pastor, pai de santo, nem autoridade jurídica. Alessandra e Carlos professaram seus improvisados votos de fidelidade e amor e oficializaram sua união ao trocar alianças num belíssimo rito ecumênico, desprovido de qualquer formalidade. Quem conduziu a celebração foi o pai da noiva que os abençoou, seguido pelos familiares do noivo e cada um de nós que estava ali presente de maneira muito espontânea.
Acredito que esses dois casamentos marcam uma transição na minha enorme e complexa família. Os Neves, tão católicos e tão defensores dos tracionais valores morais e religiosos - alguns bastante obsoletos, em minha opinião -, vêm presenciando e acolhendo uma mudança de paradigmas.
Sinais de novos tempos? Acho precipitado afirmar isso. Mas, sem dúvida alguma, hoje me sinto menos anômala entre eles do que me sentia há alguns anos atrás, quando era vista por alguns como atrevida e rebelde.
Nelson Rodrigues afirmava que “a família é o inferno de todos nós”. Minha amiga Shirley, fã do anjo pornográfico, reinterpretou a frase e costuma dizer que a família é o céu e o inferno de cada um. Concordo com ela. A família é o nosso porto seguro, mas, ao mesmo tempo, a origem de nossas maiores angústias, pois, via de regra, é na família que são transmitidos e cobrados os valores da sociedade a que pertencemos como, por exemplo, os tabus morais e sexuais e o estabelecimento dos padrões de comportamento a serem seguidos.
Se a família, como instituição social, é um espelho da sociedade e, se a partir da minha podemos perceber que ela vem mudando, quem sabe daqui a poucas décadas encontremos pessoas mais felizes por serem mais autênticas em seus relacionamentos, sua sexualidade, enfim, em todos os âmbitos da vida?

E foi assim:
http://www.youtube.com/watch?v=ktf-9I9Tk0c

Niterói, 15 de julho de 2012.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Michel Teló, Gusttavo Lima, flamenguistas, advogados e afins

Desconfie de alguém que afirme não ter preconceito contra nada.
Que o dito-cujo faça um esforço de ser politicamente e eticamente correto para vencer suas ideias pré-concebidas sobre coisas, pessoas e situações, tudo bem... Mas não ter nenhum preconceitozinho? Duvido!
Da minha parte, assumo: TENHO MUITOS PRECONCEITOS! Não deveria ter, mas tenho. É feio, eu sei. Mas fazer o quê? Lutar contra eles, é claro! Aliás, tento combatê-los diariamente. Contudo, infelizmente, não posso bater no peito dizendo que tenho uma mente completamente aberta que aprecia e valoriza toda forma de diversidade humana.
Um amigo meu, também sociólogo, me disse uma vez que não dá para levar a sério alguém que tenha um rádio (Nextel) como celular. Até hoje eu não entendi o porquê. Ele diz saber que é uma generalização preconceituosa, mas justifica afirmando que as generalizações são necessárias para o desenvolvimento das análises científicas.
E assim, com essa concessão acadêmica, elenco as minhas a seguir:
Eu fico com o pé atrás com a pessoa que, estando numa festa, se levanta animadíssima ao ouvir aquele grande sucesso de todos os tempos da última semana do sertanejo universitário. Deus me livre então, quando a criatura em questão conhece os passos da coreografia e ainda acompanha cantando a letra inteirinha. Para ser mais específica, sou capaz de repensar a amizade com uma pessoa que permita que o DJ toque este tipo de música em sua festa. 







Além disso, tenho preconceito contra pagodeiros, micareteiros, funkeiros, gonçalenses, flamenguistas, advogados, gente que fala “menas” e contra aqueles que, sem te conhecer, te chamam de “colega”, “nem”, “tia”. E também contra quem assiste e, pior, insiste em conversar sobre programas como Big Brother, Zorra Total e novelas das 19h da Globo.

Crio antipatia imediata por pessoas que enchem a boca para dizer que odeiam política.

Cultivo também a categoria “pós-conceito”. Nessa estão os puritanos, os moralistas, os certinhos e os metidos a muito honestos.

Por último, destaco a minha aversão toda especial por frequentadores de academia. Acho-os todos uns marombeiros fúteis, metidos a gostosos sem nada na cabeça. Na verdade, fico com o pé atrás com tudo que diz respeito à malhação. Odeio cheiro e músicas de academias! Odeio essa moda fitness feminina que inclui decotes absurdos e meias grossas esticadas até o joelho. 
Acho que sempre usei esse preconceito como uma desculpa para legitimar a minha total indisposição para aos exercícios físicos. Sempre fui sedentária e gostaria de continuar a sê-lo.

No entanto, por essas ironias da vida, meu médico me obrigou a praticar atividade física e indicou, especificamente, a musculação. Aos meus ouvidos soou mais ou menos como “ou você para de fumar, ou morre”. Como quero viver - e de maneira mais saudável - corri para me matricular numa academia badaladinha aqui perto de casa.
No entanto, antes de começar a “tomar o meu remédio” descobri que é necessário fazer uma avaliação física com um profissional que definirá minha série. Logo, logo, termos como supinos, mesa extensora, leg press, remada, flexora, halteres e outros vão começar a fazer parte do meu novo dialeto marombês.
Como a avaliação só acontecerá na próxima segunda feira e já que o investimento financeiro foi feito, tenho um tênis e comprei umas calças coladas para malhar, hoje fiz um rabo de cavalo e encaminhei-me, bonita e faceira, para minha primeira aula de Zumba Fitness. É isso mesmo: 


Me senti voltando aos tempos de escola quando fazia aulas de jazz. Mas, ao invés de Dirty Dancing, Madonna, Foot Loose e outros clássicos, a aula era uma animada mistura de mambo, salsa, tango, funk, samba, soul, hip hop, capoeira, etc. Pela primeira vez na vida ouvi os famosos refrãos “tche tche rere”; “oi oi oi oi oi oi oi”; “ai, se eu te pego”.
É claro que me atrapalhei toda com os passos rápidos do professor e suei como uma condenada, mas, no fim, adorei! Juro! Durante a aula ri muito de mim e dos meus preconceitos. No intervalo, ao conversar com uma aluna completamente fora daquele estereótipo que havia criado, esta crônica veio prontinha à minha cabeça.
Claro que continuarei mantendo o sertanejo universitário fora do meu repertório cotidiano, mas descobri assombrada, que é uma divertida forma de me exercitar.
Talvez os preconceitos que alimentamos com tanto obstinação sirvam apenas para isso, ou seja, para que percamos algumas boas oportunidades de queimar calorias.

Niterói, 11 de julho de 2012.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Bonita demais

Posso apertar?

- Espera! Espera! Calma! É que... Minhas gordurinhas estão todas aí...

- Deixa de ser boba! Eu adoro uma gordinha!
       
  
      Com essa resposta, ele apertou com vontade as minhas coxas. 


        Meu Deus! Eles existem mesmo! Homens que têm preferência por gordinhas vivem nesse mundo, nesse país, na minha cidade, no meu meio! Como eu nunca os encontrei antes?
“Por que ela está tão espantada?” você deve estar se perguntando. Adianto-me a explicar: Primeiro porque o cara é um gato! Para falar a verdade, foi o cara mais “sarado” que já dei uns amassos na vida. E outra, eu sempre acreditei que os homens que se aproximavam de mim se interessavam pelo “meu jeito”, pelo meu papo, e não por me acharem atraente fisicamente.
Eu cresci acreditando que era impossível ser desejável sendo gorda! Eu usava roupas largas para esconder o meu corpo e, em pleno verão carioca, eu vestia “burcas”. Camiseta regata sem manga, vestidos de alcinhas ou saias não entravam no meu guarda-roupa. Nossa! Quanta tristeza eu carreguei por me sentir ridícula! E acho que esta é a questão: eu me sentia feia, e por isso, me transformei na menina e depois, mulher invisível.
Certa vez uma amiga que ouvia minhas insatisfações quanto ao meu corpo, disse: “Bia, tem gosto pra tudo”. Confesso que não gostei, mas ainda assim, passei a alimentar a crença que cresceu e se enraizou profundamente de que, para ficar atraído por mim, o cara tinha que pertencer a uma espécie rara ou já extinta.

George, o solitário: tartaruga gigante, o último exemplar de sua subespécie, morreu recentemente nas Ilhas Galápagos.

Nunca tive vocação para bióloga, tampouco para paleontóloga a ponto de me jogar numa expedição em busca de espécies raras como o George. Além disso, entendi que aquele “gosto para tudo” era, na verdade, “gostar de qualquer coisa”, o que me levou a acreditar que eu era um “nada” e, portanto, não podia me dar ao luxo de escolher. 
        O resultado disso você deve saber: passei a ser muito pouco criteriosa quanto aos meus envolvimentos amorosos e a nutrir uma carência extrema.
No entanto, a despeito da minha péssima autoestima – constantemente reforçada pelos padrões de beleza estabelecidos – o que tenho constatado na prática – e com certa frequência, diga-se de passagem – é que tenho chamado a atenção de diferentes tipos de homem. 
        Os raros não são tão raros assim? Eles mudaram? Negativa para ambas. O que aconteceu então? Simples: Eu mudei o conceito sobre minha autoimagem e isso transbordou, veio para fora.
Hoje, depois das leituras que fiz, das coisas que ouvi e vivi, e claro, com a ajuda de uma terapeuta, me livrei da capa da invisibilidade e comecei a me sentir atraente e interessante. 
          Antigas crenças foram substituídas por uma certeza: a beleza, como tantas coisas na vida, é relativa. Ela é um estado de espírito. Passei a entender também que o olhar do outro depende muito da visão que você  tem sobre si mesma. E amigos, tenho que confessar, eu estou me sentindo linda!
Não estou metida a gostosa. Quem me dera! O que estou querendo dizer com uma boa dose de presunção é que, independente do meu “tamanho”, eu percebi que posso sim, ser desejada. E isso é uma enorme novidade para mim! Não que eu queira me transformar num pedaço de carne suculento para os homens, mas, convenhamos, é muito bom ser notada.
Continuo insatisfeita com meu corpo. Tanto que, em breve, me submeterei à cirurgia bariátrica. Contudo, não farei isso para atrair homens, mas porque quero ter uma vida longa e saudável. Afinal, a obesidade é uma doença que pode ser fatal.
Se tudo correr bem, daqui a um ano estarei magra. Entretanto, tenho certeza que minhas insatisfações com meu corpo ainda existirão, somadas a tantas outras que virão. Mas desejo, com todas as minhas forças, que as mesmas não me impeçam de me sentir bem comigo mesma. Nunca mais deixarei que pessoas, pele, pneus, dobrinhas, celulite ou uma unha encravada que seja, abale minha autoconfiança.  
Geraldo Azevedo, você me convenceu: sou bonita demais!


Na força dessa beleza é que eu sinto firmeza e paz
Por isso nunca desapareça
Nunca me esqueça, eu não te esqueço jamais
Eu digo e ela não acredita, ela é bonita demais
Eu digo e ela não acredita, ela é bonita, bonita
Digo e ela não acredita, ela é bonita demais
Eu digo e ela não acredita, ela é bonita, é bonita

Niterói, 02 de julho de 2012.

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