quinta-feira, 26 de julho de 2012

Quem acreditaria nisso?

                  Tente visualizar a cena:
            Você chega, sem avisar, para uma visita a uma amiga que mora sozinha e uma voz masculina atende o interfone. Você imediatamente pensa em voz alta “Ih! Liguei errado...”, ao que seu interlocutor responde imediatamente “Não, não... aqui é a casa de “fulana” mesmo. É que ela está no banheiro”. Você não sabe o que fazer, mas, por reflexo, se identifica. Pausa. A voz some e depois volta respondendo “Ela disse que você pode subir”.
            Fulana te recebe à porta da casa e, ao constatar que você ostenta um sorriso malicioso no rosto, fica sem graça e logo diz “não é nada disso que você está pensando”, “é só um amigo”, “por pouco, você não vê o colchão dele arrumado no chão da sala”.
Você, mais sem graça ainda - mas meio sacana também - diz “sei” e vai entrando na casa e encontra uma mesa de café da manhã lindamente arrumada ao ar livre. Os dois – “fulana” e amigo - sorriem desarmados pela falta de argumentos e se entregam à suas brincadeiras maliciosas.

Isso aconteceu comigo na manhã de hoje. 
Eu estava na minha casa e o visitante inesperado era, na verdade, o meu irmão que, aproveitando que estava passando por perto, resolveu dar um “alô”. Óbvio que ele não acreditou, mas eu juro pela minha mãe mortinha que o tal amigo que dormiu aqui essa noite é apenas um amigo.
Aliás, a palavra “apenas” está muito mal empregada! O advérbio estaria corretíssimo se o cara fosse um peguete, um affair, um caso ou o namorado recente. Contudo, quem me acompanhava no café da manhã de hoje era um amigo muito querido.
Passamos o dia de ontem juntos. Fomos à praia, almoçamos fora e quando ele veio me deixar em casa, concordamos que ainda estava cedo para o domingo terminar e resolvemos assistir um filme na TV. Deu fome e como ambos apreciamos os prazeres do paladar e gostamos de nos aventurar na cozinha, fomos preparar o que comer e o que beber. Ficou tarde e naturalmente concordamos que era melhor ele dormir na minha casa. Emprestei-lhe um pijama - o que lhe deixou ridículo -, roupa de cama e um colchão de solteiro que ele arrumou no chão da sala.
Isso já aconteceu outras mil vezes com esse e outros tantos amigos e amigas que, vira e mexe, me visitam. O “problema” é que desta vez fui “flagrada”. Será que o meu irmão teria as mesmas ideias maliciosas se, ao invés de um amigo, quem estivesse me acompanho fosse uma amiga? Enfim...
Depois que minha visita meteórica foi embora, rimos da situação e, ao degringolar sobre o tema, ficamos nos questionando se nós, no lugar do meu irmão, teríamos acreditado na insólita história. Afinal, a mesa de café da manhã e a paisagem estavam transbordando romantismo. Quem acreditaria?
No entanto, este romantismo estava apenas da cabeça de quem não nos conhece de fato. O que qualquer pessoa pensaria ser um ato romântico, eu chamaria de prazer em receber, gentileza, cuidado, amabilidade para com um amigo querido.  Tudo muito natural e tranquilo.
No entanto, é preciso destacar que a interação amistosa entre homens e mulheres é um fenômeno recente, tornando-se, inclusive, tema de pesquisas, e, entre elas, tem a que a revista IstoÉ fez circular recentemente. Eis um trecho da reportagem[1]:

Até o século XIX, a amizade intersexual era considerada um “mal degenerador”, como conta Rosana Schwartz, pesquisadora de gênero pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e também pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. “Usando argumentos religiosos ou até científicos, os homens acreditavam que as mulheres eram frágeis e propensas a comportamentos desviantes, por isso a convivência com um homem que não fosse da família poderia degenerá-las”, diz Rosana. Ou seja, na época se acreditava que a presença de um homem poderia levar as pobres mulheres indefesas a cometerem um ato absolutamente condenável: o sexo fora do casamento. Numa sociedade em que a maioria das mulheres só convivia com figuras masculinas como o pai, os irmãos ou os padres, a amizade entre os sexos era muito difícil, senão impossível. Esse cenário só começou a mudar quando elas chegaram em massa ao mercado de trabalho, no período pós-Segunda Guerra Mundial. “Mesmo assim, a amizade intersexual como a conhecemos hoje só se solidificou nos anos 1970, pois até uma década antes os únicos amigos homens que as mulheres tinham eram os amigos do seu marido”, afirma Rosana.


Hoje, tanto para os homens, quanto para as mulheres, há infinitas possibilidades de se conhecer pessoas, mas, por razões que só cada um sabe explicar, somente de algumas nos tornamos amigos(as) de verdade.
Ao escrever a frase acima me veio à lembrança um filme muito fofo que assisti há muitos anos atrás. Um clássico da sessão da tarde dos anos 80, Conta Comigo, estrelado pelo falecido River Phoenix, é ambientando em 1959 e narra a jornada de aventura e amadurecimento de quatro amigos adolescentes. Por mais que o tempo tenha passado, guardo como se tivesse visto e ouvido hoje as duas principais mensagens do filme: 1) o valor da amizade, geralmente, só é encontrado quando essa deixa de existir; 2) quando se é adulto, é difícil encontrar amizades sinceras como as que temos quando somos jovens.
Adoro o filme! Inclusive, o recomendo para quem quiser assistir em família ou entre amigos antigos. Identifico-me com várias partes dele, mas discordo de suas mensagens finais. Claro que guardo com muito carinho os meus amigos de infância e da adolescência como a Jaqueline, a Simone, a Claudia, o Luiz Paulo, o Fábio, o Leo Chermont, a Flavia e tantos outros. Mas esses estão apenas na memória ou entre os meus contatos do facebook. No entanto, são com as pessoas que conheci na faculdade, no mundo do trabalho, ou aquelas que conheci através dos meus amigos, que mantenho ótimas e duradouras relações de amizade. Ah! Sim! Também tive a sorte de reconhecer alguns amigos de infância, com os quais tenho tecido novamente antigos laços.
Deste modo, acredito que quando conseguimos nos desprender de preconceitos e daqueles velhos jargões que afirmam que só existe gente falsa e interesseira no mundo adulto e nos permitimos conhecer e ser conhecido por pessoas legais, podemos sim, fazer bons amigos, sejam estes homens ou mulheres.
No entanto, também não dá para ser tão inocente a ponto de achar que nunca há uma “potência sexual” – termo que minha prima Vivi me ensinou e que imediatamente incorporei ao meu vocabulário – numa amizade intersexual.
Mas o fato de gostar da presença daquele seu amigo, que, por acaso é de outro sexo, de ter afinidades com ele, de gostar de trocar impressões sobre a vida, e, às vazes, mesmo discordando, não faltar assunto para conversas, não quer dizer que desejamos fazer sexo ou que nos vejamos romanticamente unimos a ele ou com todos os amigos ou amigas que tenhamos. Ou, mesmo se houver desejo, não significa obrigatoriamente que o sexo vá acontecer, afinal, o que não faltam são motivos para que duas pessoas mantenham sua relação no nível da amizade. Ou ainda que haja sexo, não quer dizer que deixaram de serem amigos. Enfim, é tudo muito complexo!
Sobre esta complexidade toda, uma pesquisadora norte-americana, Heidi Reeder, publicou recentemente um artigo em que classifica os quatro tipos mais comuns de amizade entre homens e mulheres. Observe o quadro[2] abaixo:


       Para tornar ainda mais complicada esta discussão, tem ainda todos aqueles filmes de comédia romântica que fazem questão de mostrar a impossibilidade de uma amizade intersexual desprovida de potência sexual.Você viu algum? Eu vi todos e adoro!
 
       Como a minha vida não é um filme hollywoodiano e tenho alguns bons amigos homens a quem quero muito bem, sem, no entanto, deseja-los sexualmente – se algum deles fossem o Patrick Dempsey, não afirmaria isso com tanta veemência – continuarei lhes preparando lindas mesas de café da manhã, afinal, somos “apenas” amigos, quer você acredite ou não.

11 comentários:

  1. Passei por uma parada parecida também. Um amigo (que não falava comigo há muito tempo e está recém solteiro) me mandou uma mensagem dizendo que lembrou de mim por causa de um bilhete de cinema, fui comentar com uma amiga e aí já viu né? hahaha
    Acredito realmente na amizade entre homens e mulheres e gostei da relativização: e se fosse outra mulher? Não seria passível de atração?

    Beijos e parabéns pelo post

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  2. Gostei, ri muito do que aconteceu com você! rsrs
    Eu tenho muitos amigos homens também e isso não quer dizer nada. Mas, sempre tem um engraçadinho pra me zoar ou pra perguntar:
    -Ah, aquele é seu namorado, né?!
    -Não, é meu melhor amigo.
    rs

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  3. kkkkkkkkkkk Fui lendo e realmente imaginando a cena!! Amiga vc me diverte com suas crônicas!! Amei!!

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  4. Mto bom!!! Penso que é possível sim um laço de amizade entre pessoas do sexo oposto. Vivo isso. Tenho grandes amigos e dentre eles alguns homens. Infelizmente os outros só focam na "grande" possibilidade de um suprir as necessidades sexuais do outro. Chato né? Nem ligo!!!!
    Acho que não sou muito questionada por causa da minha carinha de chata. Rsrsrsrsrsrs Povo alienado... Libido é energia sexual é pulsão de vida, mas isso não significa que o caminho da libido sempre será o ato sexual.

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  5. Bia, pra variar, amei o texto! Sempre uma visão coerente e bem humorada das coisas da vida!! Parabéns!!! Bjs!!

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  6. Bia esqueceu de mencionar que após o seu "romântico" café da manhã,
    pude também degustá-lo. Aliás não sou preconceituoso acho sim que pode existir amizade entre os sexos opostos, mas naquele momento foi meio que inesperado e ao mesmo tempo engraçado.
    beijos.

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    1. Nino, foi muito engraçado! Eu no seu lugar também teria maldado, claro! Mas viu no que sua visita inesperada deu? Obrigada! Volte sempre!

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  7. Muito bom, Bia! Ri muito imaginando a cara do seu irmão (meu primo, portanto)! Adorei a sua reflexão; está cada dia mais afiada!!!!!!!!!!

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  8. Bom, acho que depende viu, Bia.
    Eu já passei pela mesma situação. Uma amiga chegou aqui quando o um amigo queridíssimo (Raphael Melo) estava dormindo aqui porque fomos a uma festa aqui perto e ficaria muito tarde para ele voltar para casa. Essa amiga pensou besteira, mas quem nos conhece sabe que é impossível (e eu falo sério) de acontecer qualquer coisa entre a gente. Eu acredito plenamente em amizade entre o sexo oposto. Inclusive, as minhas grandes amizades que me mantiveram firme até hoje são garotos.
    Para quem não conhece, pode até pensar besteira. Minha própria mãe cisma que eu deveria ter algo com eles, mesmo que eu insista que seria como incesto! Rs.
    Amizade é uma das maiores (se não a maior) dádiva da vida. Se temos um amigo, temos tudo. Nunca estaremos só. Eu não poderia ser mais grata as minhas amizades masculinas, porque enquanto mulheres são realmente mais sensíveis, os homens tem a capacidade de nos dar conselho sem nos invejar, sem nos trair. Provavelmente essa é a maior qualidade de uma amizade intersexual: você pode falar o que quiser com ele porque ele não vai te invejar, não vai tentar roubar o cara que você ama e não vai falar mal de você pelas costas, porque simplesmente não é dos homens fazerem isso.

    Adoro sua escrita e você não sabe o quanto eu te admiro!
    Beijos.

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  9. Como te falei, Bia... Tem amigos que vc vai ter a vida toda e nunca vai existir potência sexual. Tem outros que a vida toda foram amigos sem potência sexual, mas que, de repente, por algum motivo, ela é desencadeada. E ainda outros que desde sempre a potência sexual esteve lá presente, mas que - muito provavelmente - nunca deixará de ser apenas isso... Até pq, existem vários e diversos tipos e níveis de relacionamento sexual e de amizade...

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  10. Põhan! Eu sou faixa preta nessas coisas...
    Esse blog está cada vez melhor!
    Saudades de você.
    Beijos,
    Lilian

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