sexta-feira, 20 de julho de 2012

Marta e Maria

Não, a Marta do título não é a Medeiros, tampouco a Porto; e a tal Maria não é a mãe de Jesus, mas Ele tem tudo a ver com esta história.
Não se alarme! Não farei pregação religiosa, tampouco cometerei heresia. Peço apenas que me acompanhe em mais uma das minhas “viagens reflexivas”.
 Independentemente da fé de cada um ou mesmo da ausência dela, acredito que seja difícil que alguém que tenha se aventurado a ler a Bíblia Sagrada ou apenas algumas partes, não a reconheça como uma importante coletânea de livros históricos, cheios de sabedoria.
No evangelho de Lucas, capítulo 10, versículos 38-42, por exemplo, Jesus nos propõe uma reflexão sobre o que é, de fato, importante nessa vida. Além de, particularmente, me fazer pensar também sobre como irmãos que tiveram mais ou menos a mesma socialização, possam ter temperamentos tão diferentes.
Não sei quanto a sua família, mas eu e meus quatro irmãos sentimos, pensamos, agimos, temos leituras da realidade e priorizamos coisas completamente distintas. Nada que chegue a dar em grandes conflitos, mas realmente é de se espantar o quão diferentes somos uns dos outros.
Minha irmã Claudia e eu, por exemplo, somos, respectivamente, Marta e Maria retratadas na passagem bíblica a que me referia acima. Vamos a ela:

38Enquanto caminhavam, Jesus entrou num povoado, e certa mulher, de nome Marta, o recebeu em sua casa. 39Sua irmã, chamada Maria, sentou-se aos pés do Senhor, e ficou escutando sua palavra. 40Marta estava ocupada com muitos afazeres. Aproximou-se e falou: “Senhor, não te importas que minha irmã me deixe sozinha com todo o serviço? Manda que ela venha ajudar-me!” 41O Senhor, porém, respondeu: “Marta! Marta! Você se preocupa e anda agitada com muitas coisas; 42porém, uma só coisa é necessária, Maria escolheu a melhor parte; e essa não lhe será tirada.”

Assim como Marta, minha irmã está sempre atarefada, envolvida com mil coisas ao mesmo tempo, sejam coisas da casa, do trabalho, do estudo, da família, dos outros. Mora em uma casa muito agradável, com uma arquitetura propícia a contemplação da natureza, no entanto, outro dia me confessou, sem graça, que nunca deitou na rede que tem na varanda, assim como, nunca tinha parado para observar a mata nos fundos da sua casa fazendo com que perdesse a oportunidade de saudar os micos-pretos de cara dourada, o pica-pau de crista amarela, as saíras, os papagaios e outros bichos que povoam livremente seu quintal.
Contudo, é preciso ressaltar que não me lembro da minha irmã cobrando que a ajudassem ou a vi fazendo censuras como Marta. Além do mais, de todos os componentes do meu núcleo familiar, é minha irmã quem se ocupa com as necessárias “coisas” de Deus. 
Quanto a mim, sou a ímpia. De semelhança com Maria, apenas a capacidade de deixar o mundo cair a minha volta para dedicar-me a um bom papo. Também não penso duas vezes em largar pilhas e pilhas de provas que precisam ser corrigidas para me entregar ao ócio. Troco tranquilamente um compromisso “chato” por uma sessão vespertina de cinema, um chopp com amigos, passar a tarde na internet ou, simplesmente me dedicar à prática do nadismo. Deixo de ler “coisas sérias e necessárias” para me dedicar a “escrevinhação” dessas mal traçadas linhas.
Eu me ocupo do prazer e minha irmã, do dever. Eu da teoria, ela da práxis. Eu das coisas ternas e passageiras, elas das coisas concretas, seguras e necessárias. Em síntese, eu e minha irmã formamos uma díade oposta!
Uma e outra postura trazem consequências: minha irmã vive tensa e eu, relaxada. No entanto, ela consegue realizar seus projetos, enquanto eu, penso, reflito, filosofo, mas não saio do lugar. Resultado: ambas vivemos permanentemente culpadas. Ela se cobra uma postura mais leve e eu lamento por ser tão descansada e, muitas vezes, pouco prática.
Por que nos sentimos incompletas?
Em um mundo cada vem mais pragmático, voltado para as soluções imediatistas, a minha postura é execrável, o que faz sentir-me mal. No entanto, há, ao mesmo tempo, o culto ao prazer e aí é a vez da minha irmã ficar infeliz.
Voltando a passagem bíblica, é bom lembrar que Maria amava a Jesus e estava sentada a seus pés ouvindo-o. Marta também amava a Jesus, mas sentia a necessidade de estar de pé preparando a comida e servindo. Cada uma agia, conforme o que ditava seu temperamento.
        Nessa perspectiva, poderíamos pensar que as atitudes de Marta e Maria são confrontadas erroneamente ao subjugar o ativismo de Marta à atitude contemplativa de Maria. Superioridade da oração sobre a ação. Esta é uma interpretação incapaz de colher verdadeiramente a profundidade do texto. Cristão ou não, o que nunca devemos esquecer é que "a fé sem obras é morta".
        Volta e meia, precisamos escolher entre fazer algo bom e fazer alguma coisa ainda melhor. Qual é a melhor parte para você? Afinal, o que é importante nessa vida?



Niterói, 20 de julho de 2012.

2 comentários:

  1. Nesta realidade dual, ironicamente, se encontra a tênue linha para a procura da felicidade, estamos preocupados com obrigações e devemos cumpri-las (não por obrigação - obrigações são sempre muito chatas e estafantes), mas porque na ação que movemos nossos desejos e vontades, logo nossa essência pulsante, mas sinceramente nada mais importante que o ócio, este é deveras essencial, para a reflexões subjetivas ou simplesmente para contemplar o "nadismo", que conforta e revigora os desejos.
    Enfim, sem mais delongas, fato é não existe luz sem trevas! Os diferentes podem não atrair, mas definitivamente um não existe sem o outro.
    Mas o que não há é esta distinção entre bom e mal, muito menos a diferenciação entre certo e errado, tudo é ponto de vista, fazemos o que é melhor para nós - ainda que este bom seja efêmero. Talvez por isso melhor ser feliz intensamente por um curto período de tempo que prolongar a felicidade para uma eternidade inexistente.

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  2. Gizelli Bourlier Carestiato21 de julho de 2012 às 15:02

    Deliciosa crônica! Cada dia melhor! Adorei! Bjs

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