segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Bem-vindos à vida adulta!

Já deve fazer mais de dois anos, mas a conversa que tive com um amigo em certa ocasião não me sai da cabeça. Ele se lamentava dizendo que se sentia um homem incompleto por ainda morar na casa dos pais e por não ter filhos. Com seus quarenta e poucos anos, o meu amigo dizia que queria se sentir adulto tendo contas domésticas para pagar. Prontamente ofereci as minhas para que ele assumisse. Ele não foi nada gentil ao recusar minha oferta.
Cada pessoa descreverá um marco simbólico para a entrada na vida adulta: talvez a perda dos pais os tenha feito amadurecer. Tenho a sorte de ter meus pais vivos, mas acredito que a experiência de se perceber, de uma hora para outra, como o único responsável por sua vida deva ser uma situação realmente dramática que faça amadurecer qualquer pessoa. Ou, por outro lado, tê-los vivos, mas testemunhar uma inversão de papeis ao cuidar dos pais idosos, fará com que qualquer um cresça rapidamente.
Alguns afirmarão que amadureceram depois daquela primeira viagem desacompanhado ou acompanhados apenas do namorado(a). Ou depois de amargurem sua primeira desventura no amor. Quando visitaram pela primeira vez um sexy shop ou quando finalmente sentiram-se bem resolvidos com sua sexualidade.
Outros talvez concordem com meu amigo e tenham se percebido como adultos quando começaram a ter contas para pagar - mesmo que estas consistam em faturas de cartão de crédito com despesas feitas nas Lojas Americanas comprando chocolates ou nas muitas cervejas e cachaças entornadas naquele pé sujo que, surpreendentemente, aceitava cartão.
Contudo, acredito que o rito de passagem para a vida adulta para a grande maioria das pessoas se deu a partir do exercício da profissão, seja dando aulas, atendendo seus primeiros pacientes, vendendo roupas num loja, administrando o seu negócio ou de outros e quando fizeram sua primeira declaração de renda. Muitos ficaram assustados quando perceberam que teriam que procurar e marcar por conta própria algumas consultas com médicos de diferentes especialidades e se deram conta que, daqui para frente, seriam os únicos responsáveis pelo próprio bem-estar, inclusive com a absurda tarefa de abastecer a dispensa de sua casa com alimentos e itens material de limpeza e passaram a entender o que é “custo de vida” que seus pais tantos falavam.
Outros dirão que, ao viver a maternidade/paternidade e a inerente e inevitável responsabilidade por uma ou mais vidas os tenha feito amadurecer na marra.
Outros se deram conta, mesmo a contragosto, de que se tornaram adultos quando passaram a ser chamados por estranhos na rua com pronomes de tratamento tais como “moço/moça”, “tia/tio”, “senhor/senhora”.   Criança e adolescente não é “moço’, é “cara”, “garoto/garota”, “moleque/menina”.
Da minha parte, tenho que concordar com o meu amigo ao menos numa coisa: Só comecei a amadurecer quando saí da casa dos meus velhos. Foi aí que comecei a parar de achar que minha vida iria começar a qualquer momento e passei a vivê-la de fato.
Num processo longo, parei de ter medos bobos e alimentei, em doses muito homeopáticas, minha relativa independência e minha (frágil) autoconfiança. Pode parecer paradoxal, mas me senti adulta quando comecei a me permitir ter crises de mulherzinha sem abrir mão das minhas convicções feministas.
A maturidade me trouxe também uma preguiça para a militância política e a perda da paciência com os radicais e suas oposições improdutivas. Sem abrir mão de alguns princípios, parei de peitar situações e pessoas com veemência e aprendi a ter um pouco mais jogo de cintura, fazendo algumas concessões, ao mesmo tempo em que aprendi a dizer NÃO.
Outros sintomas do “adultecimento” se apresentaram: fiquei loira, passei a freqüentar com mais regularidades os salões de beleza e, sem pensar no que estava fazendo, comecei a gastar mais tempo diante do espelho analisando as ruguinhas e linhas de expressão no meu rosto. Desesperada, acabei adquirindo vários produtos da linha Renew da Avon e tantos outros itens de maquiagem que, para falar a verdade, pouco uso.
Apesar de ainda preferir pulseiras de sementes ou outros materiais naturais, brincos confeccionados por hippies e artesãos, passei a usar acessórios douradas - típicos de mulheres adultas - em ocasiões especiais.
Engraçado lembrar quando eu era adolescente e tinha que “visitar” às bolsas das minhas irmãs mais velhas por algum motivo, bradava revoltada dizendo que nunca teria bolsas como às delas. Achava ridícula esta coisa de “bolsa de mulher” cheia de inutilidades. Hoje, tenho horror às bolsas de grife a la Louis Vitton, Victor Hugo, etc. e, tal qual uma adolescente, prefiro usar mochilas e bolsas de lona coloridas. Mas estas cresceram de tamanho e de peso com tantas coisas “indispensáveis” para carregar.
No quesito prazer, houve uma mudança radical!
Sabe aquele desespero de sair de casa? Não tenho mais! Comecei a perder o pique para noitadas longas e fiquei muito seletiva para abrir mão do conforto do meu minúsculo, mas agradável lar. Para ilustrar esta situação, é preciso lembrar do longo período (recente) de solterice, quando ficava tranquilamente em casa em plena sexta-feira tomando um vinhozinho deitada sozinha na rede na minha varandinha.
Aliás, não foi só para as noitadas que eu perdi o pique. Os programas diurnos também começaram a ser repensados e escolhidos a dedo. Dispenso sem pestanejar programas potencialmente irritantes como churrascos barulhentos, festas de rua, boates da moda, barzinhos calorentos, aniversários de criança e vou - muito a contragosto, confesso - a chá de panelas e de bebê apenas de pessoas muito próximas a mim.
Feiras temáticas de grande circulação só não dispenso a Bienal do Livro (isso se tiver alguém que me leve de carro, claro!). Aliás, carro é um pré-requisito para me tirar de casa. Se não tem carona ou a distância é grande demais que fique inviável o uso de táxi, não conte comigo.
Quando se é adulto, o tempo livre vale ouro! Afinal, na labuta diária, as horas (in) úteis dos dias de semana são cronometradas devido aos milhares de compromisso e responsabilidades. Mas, quando um adulto relaxa, perde a pressa e a urgência das coisas, e, por isso se atrasam com tanta frequência.
Senti-me adulta também quando percebi que, mesmo tendo passado dos trinta anos, posso ter momentos de infantilidade e de velhice. Inclusive, passei a ser mais condescendente com os idosos e adolescentes, entendendo que tudo tem sua época ou, melhor, que carregamos um pouco de todas as idades dentro de nós e não temos, necessariamente, que seguir padrões de comportamento. Muitas vezes me surpreendo positivamente com os papos bobos, divertidos e descomprometidos entre amigos e penso “então ser adulto é isso?”.
Tal qual uma adolescente, me pego vibrando com filmes de aventura e lendo livros e gibis infanto-juvenis. Em outras ocasiões me pego tento crises de meia idade ou reclamando como uma velha rabugenta.
Mais do que ter me tornado (e esteja me sentindo) uma pessoa adulta, a verdade é que estou envelhecendo e juro, isso não é um lamento. Afinal, o velho ditado está aí para nos lembrar que “só não envelhece quem morre jovem”. E assim conformo-me com a resistência física que já não é a mesma, com a vista que já não enxerga tanto e com a carne que já não é mais durinha.
Se você se identificou com um, dois, três, muitos ou todos os sintomas que descrevi, seja bem-vindo(a) à vida adulta! Independente de sua idade, tendo 18, 25, 30, 38, 40, 50, 60, não se grile com o fato de estar envelhecendo, pois manter (ou não) a “alma” jovem é uma tarefa que, assim como todas as outras da vida adulta, depende única e exclusivamente de você, afinal como bem lembra Simone de Beauvoir...

O que é um adulto? Uma criança de idade."


Niterói, iniciado em 07 de maio de 2012 e concluído em 24/02/2014.