Já deve fazer mais de dois anos,
mas a conversa que tive com um amigo em certa ocasião não me sai da cabeça. Ele
se lamentava dizendo que se sentia um homem incompleto por ainda morar na casa
dos pais e por não ter filhos. Com seus quarenta e poucos anos, o meu amigo
dizia que queria se sentir adulto tendo contas domésticas para pagar. Prontamente
ofereci as minhas para que ele assumisse. Ele não foi nada gentil ao recusar minha oferta.
Cada pessoa descreverá um marco simbólico para a entrada na vida adulta: talvez a perda dos pais os tenha
feito amadurecer. Tenho a sorte de ter meus pais vivos, mas acredito que a
experiência de se perceber, de uma hora para outra, como o único responsável
por sua vida deva ser uma situação realmente dramática que faça amadurecer
qualquer pessoa. Ou, por outro lado, tê-los vivos, mas testemunhar uma inversão
de papeis ao cuidar dos pais idosos, fará com que qualquer um cresça rapidamente.
Alguns afirmarão que amadureceram
depois daquela primeira viagem desacompanhado ou acompanhados apenas do
namorado(a). Ou depois de amargurem sua primeira desventura no amor. Quando
visitaram pela primeira vez um sexy shop ou
quando finalmente sentiram-se bem resolvidos com sua sexualidade.
Outros talvez concordem com meu amigo
e tenham se percebido como adultos quando começaram a ter contas para pagar -
mesmo que estas consistam em faturas de cartão de crédito com despesas feitas nas
Lojas Americanas comprando chocolates ou nas muitas cervejas e cachaças entornadas
naquele pé sujo que, surpreendentemente, aceitava cartão.
Contudo, acredito que o rito de passagem para a vida
adulta para a grande maioria das pessoas se deu a partir do exercício da
profissão, seja dando aulas, atendendo seus primeiros pacientes, vendendo roupas
num loja, administrando o seu negócio ou de outros e quando fizeram sua
primeira declaração de renda. Muitos ficaram assustados quando perceberam que
teriam que procurar e marcar por conta própria algumas consultas com médicos de
diferentes especialidades e se deram conta que, daqui para frente, seriam os
únicos responsáveis pelo próprio bem-estar, inclusive com a absurda tarefa de abastecer
a dispensa de sua casa com alimentos e itens material de limpeza e passaram a
entender o que é “custo de vida” que seus pais tantos falavam.
Outros dirão que, ao viver a
maternidade/paternidade e a inerente e inevitável responsabilidade por uma ou
mais vidas os tenha feito amadurecer na marra.
Outros se deram conta, mesmo a
contragosto, de que se tornaram adultos quando passaram a ser chamados por
estranhos na rua com pronomes de tratamento tais como “moço/moça”, “tia/tio”, “senhor/senhora”.
Criança e
adolescente não é “moço’, é “cara”, “garoto/garota”, “moleque/menina”.
Da minha parte, tenho que
concordar com o meu amigo ao menos numa coisa: Só comecei a amadurecer quando
saí da casa dos meus velhos. Foi aí que comecei a parar de achar que minha vida
iria começar a qualquer momento e passei a vivê-la de fato.
Num processo longo, parei de ter
medos bobos e alimentei, em doses muito homeopáticas, minha relativa independência
e minha (frágil) autoconfiança. Pode parecer paradoxal, mas me senti adulta
quando comecei a me permitir ter crises de mulherzinha sem abrir mão das minhas
convicções feministas.
A maturidade me trouxe também uma
preguiça para a militância política e a perda da paciência com os radicais e
suas oposições improdutivas. Sem abrir mão de alguns princípios, parei de
peitar situações e pessoas com veemência e aprendi a ter um pouco mais jogo de
cintura, fazendo algumas concessões, ao mesmo tempo em que aprendi a dizer NÃO.
Outros sintomas do
“adultecimento” se apresentaram: fiquei loira, passei a freqüentar com mais
regularidades os salões de beleza e, sem pensar no que estava fazendo, comecei
a gastar mais tempo diante do espelho analisando as ruguinhas e linhas de
expressão no meu rosto. Desesperada, acabei adquirindo vários produtos da linha
Renew da Avon e tantos outros itens de maquiagem que, para falar a verdade,
pouco uso.
Apesar de ainda preferir pulseiras
de sementes ou outros materiais naturais, brincos confeccionados por hippies e
artesãos, passei a usar acessórios douradas - típicos de mulheres adultas - em
ocasiões especiais.
Engraçado lembrar quando eu era
adolescente e tinha que “visitar” às bolsas das minhas irmãs mais velhas por
algum motivo, bradava revoltada dizendo que nunca teria bolsas como às delas.
Achava ridícula esta coisa de “bolsa de mulher” cheia de inutilidades. Hoje,
tenho horror às bolsas de grife a la
Louis Vitton, Victor Hugo, etc. e, tal qual uma adolescente, prefiro usar
mochilas e bolsas de lona coloridas. Mas estas cresceram de tamanho e de peso
com tantas coisas “indispensáveis” para carregar.
No quesito prazer, houve uma
mudança radical!
Sabe aquele desespero de sair de
casa? Não tenho mais! Comecei a perder o pique para noitadas longas e fiquei muito
seletiva para abrir mão do conforto do meu minúsculo, mas agradável lar. Para
ilustrar esta situação, é preciso lembrar do longo período (recente) de
solterice, quando ficava tranquilamente em casa em plena sexta-feira tomando um
vinhozinho deitada sozinha na rede na minha varandinha.
Aliás, não foi só para as
noitadas que eu perdi o pique. Os programas diurnos também começaram a ser
repensados e escolhidos a dedo. Dispenso sem pestanejar programas
potencialmente irritantes como churrascos barulhentos, festas de rua, boates da
moda, barzinhos calorentos, aniversários de criança e vou - muito a
contragosto, confesso - a chá de panelas e de bebê apenas de pessoas muito próximas
a mim.
Feiras temáticas de grande
circulação só não dispenso a Bienal do Livro (isso se tiver alguém que me leve
de carro, claro!). Aliás, carro é um pré-requisito para me tirar de casa. Se
não tem carona ou a distância é grande demais que fique inviável o uso de táxi,
não conte comigo.
Quando se é adulto, o tempo livre
vale ouro! Afinal, na labuta diária, as horas (in) úteis dos dias de semana são
cronometradas devido aos milhares de compromisso e responsabilidades. Mas,
quando um adulto relaxa, perde a pressa e a urgência das coisas, e, por isso se
atrasam com tanta frequência.
Senti-me adulta também quando
percebi que, mesmo tendo passado dos trinta anos, posso ter momentos de
infantilidade e de velhice. Inclusive, passei a ser mais condescendente com os
idosos e adolescentes, entendendo que tudo tem sua época ou, melhor, que
carregamos um pouco de todas as idades dentro de nós e não temos,
necessariamente, que seguir padrões de comportamento. Muitas vezes me
surpreendo positivamente com os papos bobos, divertidos e descomprometidos
entre amigos e penso “então ser adulto é isso?”.
Tal qual uma adolescente, me pego
vibrando com filmes de aventura e lendo livros e gibis infanto-juvenis. Em
outras ocasiões me pego tento crises de meia idade ou reclamando como uma velha
rabugenta.
Mais do que ter me tornado (e
esteja me sentindo) uma pessoa adulta, a verdade é que estou envelhecendo e
juro, isso não é um lamento. Afinal, o velho ditado está aí para nos lembrar
que “só não envelhece quem morre jovem”. E assim conformo-me com a resistência
física que já não é a mesma, com a vista que já não enxerga tanto e com a carne
que já não é mais durinha.
Se você se identificou com um,
dois, três, muitos ou todos os sintomas que descrevi, seja bem-vindo(a) à vida
adulta! Independente de sua idade,
tendo 18, 25, 30, 38, 40, 50, 60, não se grile com o fato de estar envelhecendo, pois manter
(ou não) a “alma” jovem é uma tarefa que, assim como todas as outras da vida
adulta, depende única e exclusivamente de você, afinal como bem lembra Simone
de Beauvoir...
“O que é um adulto? Uma
criança de idade."
Niterói,
iniciado em 07 de maio de 2012 e concluído em 24/02/2014.