De hoje
não passa! Vou fazer um bolo de cenoura. Além de uma vontade enorme de comê-lo,
quero também devolver o prato de sobremesa que minha vizinha me entregou com
três panquecas.
Tudo
começou quando estava fazendo uma sopa cremosa e o meu liquidificador estava
quebrado. Só lembrei-me disso quando a sopa estava praticamente pronta, faltando
apenas batê-la no liquidificador. Toquei a campainha da vizinha e expliquei a
situação. Quando fui devolver o aparelho, ofereci um pouco da sopa num pote.
Dias depois ela devolveu-me o mesmo pote e ainda ofereceu-me panquecas num
prato de sobremesa.
Agora
não quero devolver o prato vazio. Resumindo, estou me sentindo num verdadeiro Kula urbano.
De
antropologia gosto muito pouco, mas do Kula
eu nunca esqueci. Li o texto nos primeiros semestres da faculdade de Ciências
Sociais. O sistema foi descrito
primeiramente por Malinowski e depois, em outro contexto, analisado por Marcel
Mauss em seu livro Ensaio sobre a dádiva.
As
folhas de “xerox” que continham o material foram comidas pelas traças, e,
assim, tive que pesquisar no google
sobre o tema e eis aqui uma breve síntese[1]:
O kula é um sistema
intertribal de trocas praticado na Melanésia e existente ainda hoje, envolvendo
transações locais e em todo o arquipélago. Colares e braceletes de conchas,
oferecidos com certo intervalo de tempo, percorrem depois um mesmo circuito
fechado, mas em sentido inverso. Após certo período, os objetos recebidos são
repostos em circulação; seu valor reside na continuidade da transmissão. A
posse provisória fornece prestígio e renome. Potlatch, por sua vez, significa
dádiva ou dar e é parte do contexto cerimonial das populações ameríndias da
costa noroeste da América do Norte.
[...] a regra fundamental da troca possui uma tripla obrigação que consiste em dar, receber e retribuir. Essa norma permite, em todas as sociedades, o estabelecimento e a manutenção de relações sociais. Assim, quando entramos em um sistema de trocas, somos inseridos em um ciclo do qual é difícil sair sem prejuízo social: renunciar à reciprocidade pode levar à ruptura do vínculo.
No entanto, bolo de
cenoura, panquecas, antropologia, kula
e braceletes são apenas desculpas para escrever sobre a reciprocidade nos
relacionamentos humanos. Eu tenho por mim que a troca é esperada em TODOS os
relacionamentos.
E não adianta vir com aquela história de que no amor materno isso não existe, que ele é incondicional, que nada espera em troca e blá, blá, blá. Eu não acredito nisso. Não acredito mesmo!
E não adianta vir com aquela história de que no amor materno isso não existe, que ele é incondicional, que nada espera em troca e blá, blá, blá. Eu não acredito nisso. Não acredito mesmo!
A mãe espera, ao
menos, um beijo de seus filhos pequenos, isto para não falar da obediência.
Quando eles crescem, a mãe espera um telefonema, uma atenção, um agrado
(material ou não). Ela espera o reconhecimento pela dedicação e por todos os
sacrifícios feitos. Aninha, consegui visualizar o seu roto se contorcendo ao
ler isso.
Mas é isso mesmo.
Quando alguém dá – seja lá o que for -, espera receber. Eu, por exemplo, espero
que ao ler esta crônica, você post um
comentário.
Uma vez eu li algo
dizendo que seríamos mais felizes se déssemos sem nada esperar em troca.
Contudo, não somos o Dalai Lama e, infelizmente, vivemos numa sociedade onde
tudo vira mercadoria, inclusive os sentimentos.
Eis uma situação para
ilustrar o que estou falando:
Tenho dois amigos que
fazem parte de um mesmo grupo. Após um tempo de convivência eles começaram a
sair. Aquele tipo de saída que a gente espera que dê em um relacionamento, pois
os dois juntos formam um casal bem bonito.
Entretanto, pouco tempo
depois, algo desandou entre eles e como amiga de ambos, ouvi as duas versões.
Ele me disse que
estava decepcionado, pois vivia fazendo pequenas surpresas para a minha amiga.
Passava no trabalho dela para levar chocolates, ligava, mandava flores,
torpedinhos carinhos, entre outras coisas. Mas ela não correspondia a estes
agrados. Ele dava com uma mão, mas ficava com a outra aberta esperando receber.
Ela por sua vez,
confidenciou-me que achava tudo aquilo muito lindo, mas que não queria se
sentir obrigada a fazer o mesmo, pois, afinal, precisavam resolver certas
pendências antes dela se entregar totalmente. Ou seja, ela também esperava alguma
coisa dele, vale dizer, que ele se desenrolasse antes dela entrar de cabeça no relacionamento. Ao meu ver, isso é uma atitude muito pertinente!
Então é isso? Será que
somos um bando de interesseiros?
Duvido. Acredito que
estamos mais para investidores inseguros do que para acionistas profissionais.
Apresento-lhes minha teoria:
O mercado dos
relacionamentos é muito vasto. Há diversas possibilidades na vida de uma pessoa.
Diante deste fato, talvez queiramos receber garantias de que nosso investimento
terá retorno garantido, afinal, não precisamos ser economistas, tampouco ter
lido Adam Smith, para percebermos a existência da lei da oferta e procura.
No entanto, é possível
hipotecar algo tão frágil como o sentimento?
Para quem tem coragem de abrir seu capital a um novo amor, é preciso ter consciência de que a balança
comercial dos relacionamentos amorosos é imprevisível. É necessário deixar a
racionalidade em segundo plano e pensar menos na relação custo-benefício, pois,
vez em quando teremos que pagar ágio.
Da minha parte eu
prefiro perder algumas ações e suar de nervosismo diante das flutuações de
câmbio de um novo amor do que passar a vida me protegendo do sofrimento.
No mercado do amor, prefiro
ser uma investidora corajosa.
Mas hoje, feriado, minhas ações estão fechadas para balanço e vou me dedicar às atividades bem menos complexas.
Mas hoje, feriado, minhas ações estão fechadas para balanço e vou me dedicar às atividades bem menos complexas.
Talvez amanhã, com as bênçãos de São
Jorge, eu recomece a investir no difícil mercado do amor.
Obs:
Dúvidas sobre os conceitos de economia presentes na metáfora, consulte:
http://www.gazetadeitauna.com.br/economes.htm
Dúvidas sobre os conceitos de economia presentes na metáfora, consulte:
http://www.gazetadeitauna.com.br/economes.htm
Niterói, 23 de abril de
2012.