quarta-feira, 30 de maio de 2012

Se meu apartamento falasse

Amanhã deixarei este apartamento. Confesso que estou me sentindo meio nômade. Afinal, desde que saí da casa dos meus pais, há sete anos, estou fazendo minha quarta mudança.
Aliás, mudar é só o que tenho feito nestes últimos anos. Mudei de endereços, de estado civil e de espírito, de estilo de vida, de faixa de renda, mudei minha visão sobre o mundo e a política. Mudei, principalmente, o meu conceito sobre mim mesma.
Mas falemos sobre este ap. Vim para cá depois que me separei. Após um ano sozinha nele, tive a experiência de ter uma roommate. Eu e a Cris - que até então era apenas a “amiga de uma amiga”, ou seja, praticamente uma desconhecida – passamos a dividir o mesmo banheiro, a mesma geladeira, a mesma sala, a mesma máquina de lavar roupa, as contas e, a medida que íamos nos conhecendo, começamos a dividir também confissões em torno dos dramas e das expectativas de ser mulher solteira. No entanto, a passagem dela por aqui foi breve e fiquei by myself nestes cômodos boa parte do tempo.
E assim engrossei as estatísticas que mostram que viver sozinha(o) é uma tendência mundial. 
    De acordo com estudos publicados, cada vez mais homens e mulheres moram sozinhos. Na Inglaterra, o índice de domicílios habitados por uma única pessoa é de 30%. Nos Estados Unidos, alcança os 25% - em Nova York, a “Meca” dos solteiros, mais da metade da população (50,6%) vive só. No Brasil, o número de indivíduos que moram sem companhia também aumenta a cada ano. Segundo a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2008, 11,6% dos brasileiros não dividem o teto com ninguém[1].
Outra pesquisa sobre o tema revela que quem vive sozinho está longe de ser solitário, pelo contrário, possui até mais amigos de quem está casado ou mora em um coletivo. Tem ainda o estudo conduzido pela professora de sociologia Erin Cornwell, da Universidade de Cornell, entre 2000 e 2008, que descobriu que pessoas com mais de 35 anos morando sozinhas seriam mais suscetíveis a ir a um evento social noturno com vizinhos e amigos do que aquelas casadas ou que viviam com seus parceiros[2].
Se tivessem me entrevistado talvez respondesse que, de fato, tenho saído mais agora, que estou solteira, do que quando era casada. Contudo, aprecio muito minhas esbórnias domésticas.
Diversas vezes minha cozinha se transformou num verdadeiro espaço gourmet onde o meu amigo Mauro deu vazão aos seus dotes culinários. Eu, Lilian e Shirley apreciávamos de bom grado estes momentos regados a vinho e ótimos – e politicamente incorretos - papos furados. Teve também aquela maravilhosa noite japonesa produzida pelo sushiman Otávio. Pena que foi só uma vez, não é mesmo, Camille e Thaís?
Outras vezes, minha sala se transformou num pequeno cinema. A Fabricia foi a frequentadora mais habitué, mas também compareceram o casal Roberta-Clóvis. E por falar em casal, foi neste ap que abri meu coração para os amigos Abdala e Simone num dia verdadeiramente triste.
Várias pequenas festas foram feitas aqui.  Destaque para minha celebração de descasamento onde festejei o fim de um bom ciclo da minha vida. Teve também aquele aniversário que comemorei com um workshop de produtos eróticos. Dias depois, um casal amigo experimentou alguns dos produtos na MINHA cama!
Festinhas individuais foram comuns também. Nestas, eu queria desfrutar da minha própria companhia.
Em outras situações, a festa era a dois e o meu quarto se transformava numa alcova. Um ou outro, por ter conseguido chegar ali, passou a se achar dono do pedaço. Como sou dessas mulheres que dizem sim, fiz suas vontades, disse meias verdades à meia luz. Fiz-lhe vaidoso e deixe-o supor que era o maior e que me possuía. Mas tão logo se mostrava despreparado para encarar este mulherão complexo que sou, era descartado do meu folhetim. Outros, confesso, gostaria que tivessem ficado mais. Na verdade, um em especial. O cara mais doce que conheci tinha um jeito manso só seu. Ele roubou os meus sentidos, violou os meus ouvidos com tantos segredos lindos e indecentes. Durante algum tempo, eu fui sua menina e ele foi o meu rapaz. Meu corpo e este apartamento foram testemunhas do bem que ele me fez.
Mas amanhã entregarei as chaves do meu lar. Algumas dessas lembranças ficarão fixadas aqui, nas paredes destes cômodos e outras tantas nas paredes da minha memória. Móveis, roupas e eletrodomésticos foram doados. Não há espaço na minha nova morada temporária. Joguei fora cartas e fotografias de gente que foi embora. Espero que a nova casa fique bem melhor assim.
Por uma temporada de seis meses não mais morarei sozinha. Por uma escolha que fiz, ficarei abrigada na casa da minha irmã. Terei o carinho e o cuidado dela e da minha sobrinha numa situação que, em breve, necessitarei de cuidados especiais.
As esbórnias domésticas serão suspensas temporariamente. Não haverá momentos de alcova, espaço gourmet, tampouco terei tanta liberdade em promover sessões de cinema para os amigos.
No entanto, uma sensação de vida que segue está me invadindo agora.
Milan Kundera afirmou em seu maravilhoso livro A Insustentável Leveza do Ser que "a nossa vida não é como um rascunho, a gente não pode simplesmente amassar o papel e começar tudo novamente." Concordo que não há possibilidade de fazer rascunhos na vida, afinal só vivemos vivendo. Mas acredito que sempre há possibilidade de recomeços. Este é apenas mais um para mim.

Niterói, madrugada do dia 30 de maio de 2012.

4 comentários:

  1. Nesse apartamento teve até comemoração de aniversário na ausência da aniversariante!!!

    ResponderExcluir
  2. Adorei sua postagem, Bia! Já tem um bom tempo que venho me preparando psicologicamente pra deixar o ninho dos meus pais, mas acho que ainda não estou pronta financeiramente (ou talvez eu não esteja querendo abrir mão dos meus "luxos", quem sabe? rs. O fato é que sempre acho que o dinheiro não vai dar...). Que tudo corra bem no seu novo lar. Bjos!

    ResponderExcluir
  3. Bia, amei sua postagem! Confesso que fiquei emocionada com as palavras e com o desenrolar dos fatos...algumas coisas próximas do que to vivendo. Boa sorte com tudo o que vem! :)

    ResponderExcluir
  4. É Bia,pra que eu fui pedir pra ler mais uma crônica? Ouvindo pink floyd e lendo, confesso que chorei! Não vou dizer meus clichês, adorei e muito bom...mas vou dizer que tocou meu coração! Obrigada, sempre!

    Patrícia Manuela

    ResponderExcluir

O que você achou?